quarta-feira, 8 de maio de 2019

O Mateiro - Rodrigo 'cC'


 O Mateiro
(Por Rodrigo 'cC)
 
Eu sou um Paranaense raiz, nascido no Vale do Ribeira, vivo do que tenho a minha volta aqui não dá pra criar nada, tem muita onça, jaguatirica, Leãozinho da cara suja, não da pra se plantar nada, muitos insetos. Alimento-me das varanas do palmito Jussara, frutas, caça, pesca, meus companheiros são dois cachorros urrador, o "Marelo e o Maiado" e meu cavalo baio. Aqui na minha casinha de pau a pique uso de luz lampião, um fogão de barro, um colchão de palha, uma espingarda, um facão na bainha, na parede um velho e rústico crucifixo e uma antiga pintura da mãe do Paraná, Paranaguá na parede retratando sua beleza.

Do meu rancho até Curitiba dá um dia no lombo do baio a moeda vem da caça e do Palmito, compro quase nada, só o fumo, a pinga, o sal e munição. Não gosto de pessoas, não confio nelas pois, vi meu pai ser morto por seu compadre em uma tocaia, por causa de um pote de ouro encontrado em uma caverna no Vale do Ribeira, vitima da ganância, que matou pra ficar com todas as moedas de ouro, eu consegui escapar e sair.
Fui pra casa, chegando lá minha mãe estava morta, eu era ainda muito pequeno, tinha muito pouco a dizer, quase não sabia as palavras, meu vulgo era Jacu, assim era conhecido pela minha timidez, eu era o mais puro bicho do mato, mas fui obrigado a cair no mundão e assim me tornei sozinho na vida. Pensar em vingança naquele momento seria a morte, cavalguei até me sentir seguro, construí meu próprio rancho, desbravei toda a mata, conhecia cada carreiro de paca, cotia, veado, cada fruteira, sua época, as aves que ali se alimentavam, conhecia a onça no cheiro, percebia a buia no mato, era um atirador habilidoso.
-O Marelo e o Maiado, pode acredita! Que num faia.- Essa onça mesmo que senti o cheiro se num fosse eles, eu tava morto, ela veio de trairagem pelas costas, o maiado percebeu, o marelo ja foi num pega e num pega com ela, ai tive de atira, pois ela queria me cumê. Eles tava me defendendo, foi só o barulho, ela gritou os cachorros grudaram em cima. Matei-a de faca, bem no meio do coração, sem dó. Depois disso, nunca mais voltou onça rodear o rancho à noite.

Eu estava até mais tranquilo, tirando palmito, caçando. Mas num dia, eu no rancho, chega um pescador conhecido dos tempos que derrubávamos árvores a machado, as vezes na empreita, ele tinha uns bois, bem lidado, era só dizer, que eles levavam a tora em uma pequena serraria movida a roda d’água. Ele me convidou para ir pra Paranaguá, eu aceitei na hora, peguei uns trocados o Maiado e Marelo nem precisava chamar, subi no lombo do baio e fomos que fomos, duas espingardas, mais os bulldogs do pescador, tínhamos dias, Mata Atlântica adentro, casa no caminho num há, temos que cuidar de onça, cobra, de não se perder ter atenção de algum mal intencionado por ai.
Na primeira noite uma lua gigante linda, uma fogueira, uma paca no fogo caçada pelos cachorros no caminho, que nem foi morta à tiro, bananeiras carregadas, morcegos a degustar nos buracos feito pelos passarinhos na banana, uma rede alta, um fogo alto, pois tirando o homem, nenhum animal tem apreço pelo fogo, assim se afastam.
O pescador gosta de dormir ao lado dos cachorros, os cavalos, ali juntos passaram a noite tranquila. Vai amanhecendo tinha tantos passarinhos diferentes naquela penca madura de bananas que nem deu vontade de sair dali, mas precisávamos ir e fomos nos alimentar com os passarinhos. Os cachorros não deixaram nem o osso da paca. E o pescador com suas histórias de que já havia pescado uma tal de baleia gigante, quem nem acreditei, pois nadar é com ele tipo peixe mesmo, some no fundo da água e eu nem banho sou muito chegado, mas vamos ver essa baleia.

Mais uma noite chega, fogueira, um frango que o pescador trouxe ainda vivo, uma polenta, a parte nobre do Palmito, uma varana refogada, mais uma noite de lua gigante e hoje de historia, o pescador fala de sua irmã artesã, que chama de Sardentinha, fala de sua mãe, de seu pai e que é um Caiçara e eu até gostei desse Caiçara, um povo abençoado no seu levar a vida e que se orgulha de sua cultura.

Estou curioso com o mar e o pescador retruca: -Sua mãe devia ser Caiçara. Aquele quadro é do Porto de Paranaguá. Eu bem “Jacu” pergunto: --O que é um Porto? O pescador na educação responde: -É aonde chegam os navios. - Mas o que é um navio? Ele diz: -- É uma escultura de madeira que dá pra ir além dos olhos. Eu digo: -- Não entendi nada!! Mas vou ver né?  Ele retruca: - Pescador não é só historia. Sim estamos perto, faltam dois dias, para tu ver água que não acaba nunca.  -- Mas é tanta água assim? digo eu. Ele diz: --Você está vendo aquela pedra lá, bem grande e gorda? Eu no ato digo:- - Sim!!  Ele diz: A baleia é maior. Eu retruco: -- Mas, credo que existe isso de onde?  -Está de história pescador?  O pescador explica: -Estou falando!!  Tu vai ver, tem até historia de sereia no mar. Dizem que é linda demais, te encanta com seu canto, te leva para o fundo do mar pra nunca mais. Credo!! Pensei eu: -- Essa de sereia. Eu curioso pergunto: - Mas é verdade mesmo? Tu já viu uma? Ele diz: Não, eu não vi, mas o meu avô falava que o avô dele, contava que era verdade sim. Eu sei lá!

Com essa sua historia passaram os dias, apenas puxando os cavalos, terrenos íngremes, muito araçás, cambuís, uvaia, grumixama, guabiroba, cereja, pitangueira, banana, jerivá pra tudo lado, pássaros que nunca ouvi e por eles sou apaixonado, é a música da mata diz o Pescador. Do ponto certo, ele me mostra. -Está vendo o mar? Eu impressionado só me delicio com a grandeza, ele me mostra onde esta a sua Vila, onde é de fato seu lar e pra lá fomos.
Chegamos à beira do mar, ele se jogou no mar com tanta vontade que até eu que não gostava muito de banho me joguei naquela imensidão de água, ruim salgada não gostei não pra beber, mas pra nadar é bom demais.

Cavalgamos na praia após andar puxando os cavalos por dias dentro da mata em carreiros, os cachorros em urros e latidos, tão impressionados quanto eu. Mais a frente eu vejo fumaças, umas casas e quatro moças sentadas embaixo de uma corticeira florida, quando uma percebe grita lá de dentro do mar, eu abobado com tanta beleza falei ao pescador: --Olha!! Uma Sereia!!  Ele disse: -Tá burro? Aquela é minha Irmã. Eu falei:- Foi mal, estou encantado. O pescador diz: - Tá bom! Sei... -Vamos pra casa pra tu ver o tamanho do protetor dela lá em casa.

Chegamos lá, eu jacu, na minha, quieto, com vergonha que nem consegui responder um simples bom dia. Ao contrário de mim, era a Sardentinha de cabelos de fogo, olho cor de mel, a mais bela cena que eu já havia visto que falava por nós dois. A mãe e pai do pescador me receberam muito bem, contei de minha historia, que estava largado no mundo e toda tristeza e simplicidade de vida. A tagarela Sardentinha não dizia uma palavra, só me olhava, eu tinha cara de brabo, de poucas palavras.
Passaram os dias, comi animais e peixes vindos do mar que nem sabia que existia,  ali eu senti o que era ser um Caiçara mais de perto, mas nessa vila em especial, tinha uma caravela e assim seguiram ao estremo Sul caçar uma baleia. A Sardentinha iria cuidar do baio e dos cães.
Apaixonei-me perdidamente, achava que seria impossível viver, se nunca havia sentido meu coração bater tão forte, minha mente não parava de desejar o mar, a vontade de ficar pra sempre na caravela. Nos momentos onde eu dava uma viajada nas ideias, me vinha a imagem da Sardentinha, mas eu sou do respeito, jamais a olharei de outro jeito, nem sei se seria capaz de atrair uma mulher se até virgem sou, nem beijar sei.

Há dias ao mar, chegamos ao ponto de caça. Eu vejo as baleias, nunca nem acreditei no que o pescador dizia e estou aqui cheio de coragem de caçar ela. Instinto de macho, mas primitivo que gosta de guerra, de aventura, de desafiar o perigo, de mostrar a si e ser capaz, como se ser caçador estivesse no seu mais íntimo, nasceu pra isso desde os mais primitivos existe carne passando gene preciso pra coragem habilidade de ouvir ver sem ser ouvido ou visto, mas aqui era mar, a caça gigante. Mas não da nada! Vamos que vamos e assim foi..

Arpoamos a baleia, a trouxemos pra caravela e retornamos.
Chegou à noite, olho a lua sorrindo e a única cena que se forma é a da Sardentinha, e meu coração batendo gostoso, meu corpo reagindo ao pensar nela durmo.
(--) Uma festa à beira da praia, todos felizes, a Sardentinha feliz em um vestido, uma coroa de flor na cabeça, toda linda, uma musica alegre, fartura nas mesas sobre a areia, a lua nascendo através do navio ancorado, a festa rolando, a Sardentinha vem de dentro da canoa, dentro da agua parecia a tal sereia, me encantei de vez.. Ela chega perto de mim com o vestido colado, molhado, senta sobre mim e me beija, eu nem sabia o que estava fazendo, foi instinto de macho. Entramos na canoa e nos descobrimos à noite inteira. (--)
 Do nada no susto acordo, uma gaivota me bicando já amanhecendo, olho na direção onde segundos atrás havia uma lua, agora vem o sol lindo, pulo da caravela no mar, dou uns mergulhos, volto a caravela, a gaivota que me acordou,  ficou voando sobre mim e agora se tornou minha amiga, acompanhando o tempo todo o navio, mora no mastro, ganha peixes está de boa, até fica me ouvindo fala da Sardentinha.

Passando em frente do Porto de Paranaguá, o pescador diz: - Tu conhece essa cena?  Eu digo: Sim! É a mesma da pintura do quadro da Mãe. Ele diz: - Será que um dia ela passou bem aqui? Eu digo: - Não sei , mas fiquei feliz agora!
Chegam na vila Caiçara de Guarapirocaba e a primeira coisa que vi quando desci da caravela, foi a Sardentinha me olhando.  Aí eu penso(--) Como não se encantar?? (--)
Todos em clima de festa, a noite chega, a lua sorri e como no sonho tudo se realiza. Descobrem-se e sentem a paixão no fogo do corpo, um bem querer de segunda cena o respeito a eles mesmo passado a noite de amor puro, de primeira entrega mutua. O Mateiro pede a mão da Sardentinha e o pai dela permite.

Nos meses no mar percebeu a boa alma que faria feliz sua pequena Sardentinha, que de primeira engravidou e trouxe o fruto do mais puro amor, que fez de volta a vida do Mateiro ser uma vida feliz..

Música Paranaense Beguine Caiçara - Reinaldo Godinho

08/05/2019