sábado, 17 de junho de 2017

No Vale do Ribeira - Rodrigo 'cC'


No Vale do Ribeira 
-por Rodrigo 'cC' -

Ferida a faca abaixo do umbigo, é empurrada no mar, mas habilidosa a menina vai rumo à praia. Chegando na areia, olha em volta, assusta-se com esse novo mundo desconhecido. Ao olhar para o mar, vê o navio indo com o vento, ouve gritos vindo dele, gritos de medo, não pensa duas vezes, entra mata a dentro. Lá havia muitos pássaros, cores, flores e cheiros que ela não conhecia. Ali perdida, sozinha e assustada volta para a praia. Olha para o alto, avista uma montanha e sai caminhando em direção ao cume a procura de uma direção.
Já cansada, com a impressão de estar sendo seguida, com fome, ferida, sem conhecer as plantas da cura e as frutas ela deita e dorme..
Um jovem índio chega nela, depois de a ter a observado por dois dias seguidos, meio ressabiado, com seu andar mansinho, admirado com aquela menina de pele escura e cabelo diferente. Leva ela a um abrigo, cantando para que a alma dela não se canse enquanto cuidava da ferida, pois as ervas todas ele conhecia.

Passado um ciclo da lua, acorda a menina fraca, mas viva. Curiosa com aquela mão que sentia sem sequer tocar sua pele, a voz da canção que a protegia, numa língua que ela não conhecia, mas que tão bem a fazia.. Ao correr o olho ela vê na entrada da gruta, um jovem diferente com a pele pintada, penas na cabeça, quase despido, lhe dá um sorriso, se senta um pouquinho e chama ele pertinho. Ele sem entender o que ela dizia, afasta-se sentido a praia, ela deita-se ainda muito cansada, mas sem medo, pois sentiu que era protegida por um guerreiro...
Ao anoitecer vem correndo o índio assustado a pega no colo e vai sentido a montanha, ela sem entender o porque, mas entendendo que o instinto dele era protegê-la, pois na sua tribo no velho mundo também aprendeu a sentir o perigo e dar atenção ao sinal do bom e mal espírito chegando.
Ao cume da montanha como se por combinado, ele procura a direção do Vale das Cavernas onde era seguro e poderia  protegê-la..

Passado mais um ciclo da lua, os dois interagia como por instinto, tipo bichos, pois em palavras não se entendiam e isso foi lindo, os levou a ficarem quietos, em um tempo extinto onde o amor não era dito, era sentido. Onde a delicadeza e braveza do olhar era a palavra dita e o olho no olho também tocava a libido. O Vale era deles, qualquer hora e lugar era permitido. O amor era livre, eram muitos sorrisos soltos no ninho onde a parede era de pedra e tinha desenhos dos dois relatando isso..

O tempo passou, eles já envelhecidos e sem filhos.
Esse foi o mal que a faca fez a ela abaixo do umbigo.
Sempre viveram escondidos, pois era isso que os mantinham protegidos, era o silêncio sobre o amor, era a pureza no instinto, era o segredo nunca dito, pois na bênção do último dia do ciclo da grande lua ao apagar a chama na fogueira sob as duas almas encantadas, sem dor, sem sequer dizer uma só palavra, viveram e entenderam que a força do amor vem da alma..
 
17/06/2017