quinta-feira, 7 de março de 2019

Meninocídio - Rodrigo 'cC'


Meninocidio!!
(por Rodrigo 'cC)

Sul do Brasil 1991, ruas de saibro, ainda existe valetas, cercas de madeira, crianças de poucas roupas, descalças, milharais, hortas pela vila, poucos carros, galinhas, alguns carneiros, vira latas nas ruas, uma mata linda, uma bica, um campo vermelho, raia no ar num pega e não pega. Brincávamos muito com a imaginação, as meninas com um simples elástico, seus papeis carta coloridos, diários, esconde-esconde, pega- pega, pé na lata, bets .

Aí de um dia para o outro veio o caderno de confidencia, o casamento atrás da porta, os piás já não queriam empurrar as meninas e sim puxar para perto, os corpos mudando, a infância indo em um desejo, um mistério, um perigo, um sábado a tarde, o REC e o Pause do rádio ligado, eu gravando a fita para festa, minha primeira vez em uma noite na rua que ia até a meia noite, as notas, tudo certo, bom comportamento, mas eu sofria um certo preconceito, os piás da vila me zoavam, por nem ser do skate ou rock, nem do dance, nem da bola. Meu cabelo que ia até a dobra do joelho, meu silencio, meu comportamento, meu olhar, tudo que parecia bom pra mim era usado contra mim. Tiravam-me de “viadinho” porque as meninas falavam comigo e eu nem ai.
Chegando á noite a galerinha toda entre treze e dezessete anos, juntamos umas fitas, discos de nossos irmãos, a casa que rolaria a festinha é de boa uma garagem pela idade e época em que vivíamos. Torta salgada, cuca, nega maluca, gasosa sobre a mesa e dentro das japonas daquela noite fria o vinho strobo, meia dúzia de luz piscando,
meu corpo se agitando, eu com meu tirar a franja do rosto com a mão, calça do avesso, uma camiseta preta com o desenho do Pateta, M2000 no pé, todos juntos nos panos, sem estar de roupa de brincar ou o uniforme da escola, muitos sorrisos, as meninas nem pareciam as mesmas, queriam lambada, uma com um disco do Nazareth na mão, cheia de brilho nos olhos esperando para dançar a lenta com seu príncipe. Na entrada da garagem um caderno de confidência que era quem dizia quem pra quem. Os mais fogosos já no cantinho brincando e brincando de verdade ou consequência ali estava o vinho na garagem lado a lado, quem era da dança só nos passinhos numa euforia só.  

Éramos nascidos nos anos setenta, crianças nos anos oitenta e agora chegou os anos noventa, todos zoando, pulando, cantando. Eu nunca tinha visto meus amigos tão felizes. A festa rolando, descobríamos quem gostava de quem, piás e meninas descobrindo sensações em seus corpos, dia de primeiro beijo, em algum canto alguma virgindade indo embora, alguns de vinho nos lábios, mas ansiando ao pecado, os não tão jovens sedentos de que o mundo abra seus portões as escolhas, se é amor, paixão, desejo, tentação. O alto nível da emoção que quer adiantar o tempo e sem medo, receio deixando a inocência, anos noventa a mudança pós-ditadura, chegada da liberdade de se expressar, dizer, ser. E assim com essa conversa eu sentado à mesa, alguns mais velhos e  eu já estava incomodado do tanto que aquele rapaz me olhava. Saí fui ao banheiro dentro da casa, olhei ele atrás de mim, meia volta dei, passei na porta do quarto entre aberto, o motivo qual os piás todos da vila se alucinavam, a mulher mais linda do mundo me olhando sério dentro dos olhos, eu ali tremi, puxei o trinco e saí. E o Rapaz continuava me olhando e eu na garagem dançando e a mulher mais linda do mundo na janela da garagem olhava a festa. Quando me dei conta, ela me olhando mais no olho e eu com um medo gigante de ser expulso da festa por ter visto ela quase nua na cama. Quando chega o opalão e os maconheiros da vila, dito o maior perigo dos anos noventa e eu tremia. A mulher mais linda do mundo vai a garagem de encontro aos maconheiros e ao passar vem em minha direção, bate seu ombro no meu olhando dentro dos meus olhos, minhas pernas tremiam. Veio um frio na barriga, um não saber o que fazer e então travei, foi a melhor coisa que fiz,  o maconheiro com uma fita na mão todos a olhar ele. Vem essa musica...
(Musica:Nazareth - telegram)
ele solta seu cabelo e passa a mão no meu, me olha, da um sorriso maldoso e começou a mexer o corpo, embala o cabelo e no Strobo ficava alucinante luzes piscando e a mulher mais linda do mundo de all star nos pés, calça rasgada, de camiseta do Iron Maiden colada ao colo. Eu não aguentei soltei minha cabeleira gigante que passava da bunda,  pensei já que está que vá. Fechei os olhos e fui. Ao voltar a mim todos de olhos alucinados com o desenho que meu cabelo fazia ao ar, num lá  e cá, o corpo em sincronia, já de cabelo a costa o maconheiro me deu uma filmada nos olhos, a mulher mais linda do mundo foi em direção ao opalão. Chegando lá, liga o opala e o som do seu motor, era mais musica que a musica e eu feliz que estava saindo fora, vem ao ouvido um assovio, eu olho sem querer olhar, ele aponta para mim e me chama, eu tremia, meio que andava, rosto quente, frio na barriga, era apenas para eu pegar sua fita. Fui ao três em um de pernas moles. Voltei  e ele me deu um punhado de cruzeiros, eu nunca tinha visto tanto dinheiro e os olhos da mulher mais linda do mundo em mim que com silencio agia, venho a perguntar qual é a sua Piá? Quantos anos tem? Quer dar um role? - Eu disse que não. Ele tentou convidar a mulher mais linda do mundo que também disse não e pegou  minha mão, me levou ao centro da garagem, essa musica tocava...
(Musica: Innocence - Debora Blando)  
 Ela me olhava dentro dos olhos, eu tentava virar para o lado e não conseguia, ela estava me colocando em pânico, mas seu colo no meu peito, sua respiração em meu ouvido estava ruim, mas estava bom. O opala vai embora e eu entendi que a mulher mais linda do mundo era maluca. Então eu respiro aliviado, olho ao lado o rapaz me olhando e isso me incomodando, eu solto ela vou pro meu canto, preciso respirar, ela tenta segurar minha mão, mas me vou sem olhar pra ela, se não eu voltaria. Fui à beira da rua sozinho,  na garagem ela percebe uma menina a olhando com inveja, ela esperta vai ao caderno de confidencias, me procura lá, numero sete e vai lendo Qual seu nome?? Quantos anos?? Onde Mora?? Qual série esta?? Gosta de alguém?? Está na festa?? Você vai beber vinho??Quer brincar de casamento atrás da porta?? Já beijou?? Quer beijar?? Gosta de dançar?? Você é virgem??  De última frase no caderno de confidencias dizendo:- amanhã você não será mais o mesmo, essa festa e da bifurcação do tempo e a mulher mais linda do mundo vê que ele é o mais inocente, dança mais não bebe e nem transa. Eu na rua,  volta o opala dos maconheiros, pega o rapaz que tanto me olhava o qual estava roubando na vila levou lá para educar, mostrar que onde moramos é Vila e Vila é mãe e com mãe ninguém mexe e eu já em pânico de como a noite era diferente do dia que a criança que apronta e se arrisca na brincadeira o Anjo salva quando adulto já impuro parece não haver anjo apenas aqui se faz aqui se paga. Ele apertado querendo ir ao banheiro, já faz um tempo. Então vai, e ao sair percebe a porta do quarto aberta, entra e lá está a mulher mais linda do mundo, apenas com a camiseta do Iron Maiden de roupa e um Trinta e Oito na mão cromado, que aumentava o susto. Eu já vesgo grato de acabar de ter ido ao banheiro senão seria ali mesmo. Ela disse: -Tira a roupa! Mas que jeito se só tremia, boca eu parecia que nem tinha, nem piava, só olhava. Ela falou:- Vamos fazer uma confidência olho a olho entendeu? Ele nem estava dizendo que sim, era tremedeira, ela zoeira, passeia em seu corpo com o trinta e oito, vai ao rádio e coloca essa musica..


Musica Like A Virgin - Madonna 

Volta olhar em seu olho, leva o trinta e oito entre as pernas, a mão na sua calça, mas ela está do avesso, se irrita, põe pressão, nem ele estava conseguindo tirar a calça do avesso, mas tira olhando o cano do trinta e oito de perto,  a cueca tira, também tira sua camiseta, ele com a mão protegendo seu intimo em silencio, ela pede para ele tirar a camiseta dela e ele encabulado tira e seu olho leva a sua mente a mais bela cena. A mulher mais linda do mundo nua e malandra, ela o toca com o som da sua voz testando o tom que mexe com o corpo, mas ainda com algo na mão, solta o trinta e oito. O piá afoito, tipo no paraíso, melhor que no sonho maroto, onde ela não era a cena perfeita ,onde ele sempre se via cada lugar toque, beijo, aperto, palavra. Ela o modela e ele se permitia, mais por medo do que por desejo, mas corpo de piá tocado está inflamado. Horas se passaram, acendemos um cigarro, tomamos um vinho. Na hora que se liga amanheceu.  A musica do escape do Opala passando na rua já veio o medo, acabou. Ressaca, preguiça, viu o dia na janela veio o desespero, ela malandra fala para ele ir para casa antes de ele abrir a porta. Ela diz: - Eu confirmo que você pegou no sono e dormiu aqui. Fica de boa, sua mãe vai entender.  Ele já vendo ela com bom olhar em momentos e outros medos. Sai confuso, mas a violência sexual e tortura psicológica continuam, pois tem medo do maconheiro o qual da a grana para fazer agrados, dando vale transporte, pagando curso de datilografia, deu Caloi Cross, um Atari Bogo Ball, televisão , som três em um,  vídeo cassete,  walkmans, roupas do momento, idas ao Shopping, um skate... Tudo podia.

Passaram-se anos, ele ainda sem amar, sem tocar em outra garota, mas podia ir onde queria dava para dar perdido, mas ele tinha medo do lado malvado dela. Chegou um dia o Opala passa devagar olhando em seu olho. Lá está o Maconheiro, o mais temido, qual era de fato seu medo, pois se ele sabe que ele tem a mulher mais linda do Mundo, o mata e se ele falar a verdade ele é coagido, o mata do mesmo jeito. O Opala vira a esquina passa uns minutos começa uma briga, ele ouve os berros: - É mentira!! É mentira!!
Ali permanece em sua inocência. O maconheiro faz pressão para que entre no Opala, ele tremendo entra, da volta na quadra ao lado do terreno vazio. A mulher mais linda do mundo, pela musica do escape do Opala se liga, onde ele levou o Piá sem maldade e pegou seu trinta e oito, chegou devagar. Viu o maconheiro com seu trinta e oito na cabeça do Piá sem Maldade, mais tão culpado quanto vitima, fecha os olhos e a única coisa que imagina é a mulher mais linda do mundo, pois ali era o fim do seu mundo, quando ouviu um tiro, não sentiu dor, abriu os olhos. Ela havia matado o maconheiro e salvo minha vida qual eu estava perdendo por culpa dela ou minha sei lá.
Ela fugiu para outro estado tinha testemunhas, eu voltei a minha vida, voltei a olhar as meninas, a liberdade de minha vida, arrumei um emprego em um projeto para menores e trabalhava meio período, e no outro período estudava, era bem vestido, pois quem me vestia e perfumava era a mulher mais linda do mundo. Ela me deixou muito a frente dos piás e meninas da minha idade.

Passou o tempo um amigo disse que ela andava ligando e pedindo de mim, marcou horários, eu não atendia. Eu estava livre podia enfim viver, ser. Eu não imaginava que ao descer do ponto a noite após eu estar com a garota que eu sonhava em encontrar, ela estaria me esperando para contar que havia ha dias me seguido e trêmula, com a maldade nos olhos queria me obrigar a entrar no carro e ir embora com ela. Eu pela primeira vez disse não á violência sexual, a violência psicológica. No rádio do Santana toca a musica que falava com ele e com o que vivia antes do barulho do tiro, antes de eu não ter mais o que dizer, aos dezesseis anos acaba sua vida, um porta malas, uma família na tristeza pro resto de seus dias, qual a morte é a única que cura a dor de quem nunca mais vai ver ou ouvir a voz de seu filho desaparecido sem um porque, pra onde, pra sempre na memória a saudade, a boa lembrança do filho levada ao infinito, a esperança do reencontro mesmo que depois de mortos em espíritos em um lugar chamado paraíso..
No medo não contou a sua mãe que sem perceber perdeu seu filho!! ..


07/03/2019