sexta-feira, 22 de março de 2019

Amor de Mula - Rodrigo 'cC'


Amor de Mula
1898 Sul do Brasil Paraná. Uma égua baia ao andar se depara com uma cadela fila brasileira morta com seus filhotes, pela temida onça. Ouve um resmungo: - Olha um filhote!! Então o pega com os dentes com maior cuidado, da uma cheirada, umas lambidas e volta ao seu abrigo, lugar seco coberto de palha sobre chão e ele resmungando, não mamava à horas, mas na bondade natural de mãe que sabia que naquela noite iria parir e assim foi. Nasce a Mula enquanto a pequena Mula se vira no equilíbrio na urgência natural da sobrevivência para sua própria defesa mesmo ali não necessária, mas esta gravada no gene da espécie e no mais belo instinto.  a Égua guia o pequeno Fila até sua teta, qual foi chamado na fazenda de “Fio de uma Égua” e assim seguiram o chamando de “Fio”. 

O tempo foi passando, o Fio e a Mula eram inseparáveis o único apego da Mula e do Fio era a pequena “Cachos Dourados” filha do Senhor da fazenda, a qual havia recebido uma carta de seu irmão Padre contando da fome e da miséria e de como eram as coisas no Nordeste. Ele estava pensativo, comovido sai varanda da fazenda olha a fartura lembra-se de como seu irmão desde pequeno era sem apego e altruísta, pensa em sua vida egoísta sabe da humildade, das conversas de varandas do sul, das conversas evolutivas na criação de gado, no plantio, a fartura que é o Sul. Já há dias sem dormir, voltando ao passado, na infância nas lembranças de seu irmão que poderia ser tão poderoso quanto ele, mas não quis o desapego do dinheiro e sim lutar contra seu efeito. Desde pequeno na fazenda dava atenção aos negros os quais nunca permitiu serem escravos, entendia suas tradições, jogava capoeira como se fosse um deles. A vida o guiou a uma vida ao próximo e o Senhor da fazenda um em prol de si mesmo.
Já cansado do tempo, sua senhora uma verdadeira prenda, conversam e decidem junto irem ao nordeste visitar seu Irmão e levar uma tropa de mulas carregadas de mantimentos, uma pequena boiada, sementes e uma muda de pessegueiro. Seguem em Viagem, descartando a Mula e o Fio.

Tudo pronto saíram em viagem, mas a teimosa Mula e o Fio foram atrás. Quando se deram conta lá estavam os dois, a Cachos Dourados solta seu sorriso de princesa e sai correndo em direção a eles.  A Mula reage abaixa-se, a pequena sobe em seu lombo e seguem viagem. O Fio com seu grosso latido, babava tudo na Cachos Dourados e assim a viajem a ela se tornou mais alegre.
Foi passando os dias às brincadeiras em rios à beira mar, o andar livre à volta da tropa e da boiada e em horas quando ela cansada ia às carroças.

Passaram-se semanas ela ao lombo da Mula e o Fio conhecendo as cidades, estados nas paradas para que o gado e as mulas se alimentassem, também  para alimentar os pintinhos, viveiros nas carroças que levavam os porquinhos.
O senhor da fazenda e sua prenda gostavam de namorar, visitar lugares, era como se pela primeira vez o senhor da fazenda esquecesse-se de si próprio e assim na ideia de quem planta, colhe, seus dias ficaram mais felizes, menos cansativos e fáceis de resolver. Havia conquistado o bem maior, a paz.

Passaram-se meses e chegam ao extremo norte da Bahia, tristeza em vida, um povoado muito simples paisagem quase árida na sua totalidade, prenuncio ao cangaço já era dito no Nordeste dessa cultura vagante na caatinga. Sua vestimenta de couro, seu chapéu amenizando o sol do rosto.  Encontra seu Irmão que surpreso com a chegada do senhor da fazenda, sendo altruísta, mostrando a sua filha o que não via na ideia de tornar a Cachos Dourados a mais linda, sábia e bondosa Prenda do Sul.
 Os dias foram passando, Cachos Dourados comparando o Sul, farto nas diversidades de clima, fauna e flora com o lugar onde estavam árvores pequenas e raras de pouca vida, quase não havia água.

Não muito distante, um povo no seu inicio, com vestimentas em couro uma honra e fé em si mesmos, um olhar para vida não aceito, mas em meio a tanta fome, falta d’água e direitos, faz o que parece não ser certo, ser gigante, ser luta constante, ser aceito sem medo, sem culpa de lutar pela vida, pelo que se acha justo. Acontece um confronto sangrento e um menino em meio a isso sai vivo. Órfão andando só pelo mundo seco, com sede, fome, incertezas de onde está, de quem é, para que veio ao mundo, injusto ao seus olhos que nem sabe que o mundo é diferente do que seus olhos e dias o contam em meio as mulas e a boiada Já cercada, A teimosa Mula foge, um rapaz percebe e a rouba.
Ao acordar seu irmão, o Fio e o Fila Brasileiro em meio às babas de suas bochechas, o olhar caído, preguiçoso, atenta-se para sua irmã e assim seguem há horas atrás do ladrão e não será difícil recordar, aquele se esconder, aquele pega-pega da infância com sua irmã, sem dizer do cheiro do rastro que o calor amplia. Sai em seu latido rouco, sentido sem nem saber para onde.
Já há um dia andando, encontra sua irmã Mula e ao chegar nela é percebido o Rapaz. Ela Tenta chegar perto e é agredido violentamente pelo Fio, que estraçalha sua cocha e o deixa no chão. Abre a boca em seu pescoço, dá uma apertada e solta olhando nos olhos do rapaz como se dissesse:- --Tu não és nada seu fraco!!!  Vai e rói a corda da Mula, a solta e assim voltam sentido ao pequeno vilarejo. No meio do caminho um poço fundo em um pequeno córrego, eles encontram o pequeno Órfão se afogando, mais que rápido a Mula pula na água e salva o Órfão e assim inicia-se uma amizade.
O Órfão já não está sozinho no mundo, irá viver uma dessas obras de Deus que não se entende. As linhas tortas que sempre é guia ao sentido de tudo isso e em meio ao nada uma família, um alguém em quem confiar é tudo e sem se quer uma palavra dita, apenas lealdade e o amor, precisando somente de atitude. Assim foi a do Fio que puxava o Órfão pela mão como se dissesse:--- Vem!!! E a Mula se deitou e Órfão a montou e assim foram os três.

Voltaram. Foi um dia de caminhada e o Senhor da Fazenda de missão cumprida havia voltado ao Sul. Cachos Dourados era a preocupação da Mula e do Fio. O Órfão nem fazia ideia do que se passava. O Padre chegou no Fio e na Mula, conversa com o Órfão, pergunta o que aconteceu, se ele está bem, se precisa de ajuda, mas ele confiava apenas em seu silencio e em seus novos amigos.
O Fio sai no rastro das carroças da Tropa e assim seguem viagem. O Órfão sem rumo na vida segue no lombo da Mula e a estrada é seu rumo, seus dias. A Mula se virava, o Fio caçava para ele e para o Órfão que conhecia as frutas e plantas e assim contribuía. Foram os dias, o mundo aos olhos do Órfão muda, sem ter quem respondesse de palavras, apenas nos olhos. A Mula e o Fio encantavam-se juntos na aventura que era estarem largados no mundo,  na estrada há meses do Sul, noites, dias que traziam aos olhos do Órfão a mudança de vegetação, o verde começa a predominar, depois vem as grandes árvores, a água, até a chegada do mar. Ele nem podia acreditar no que via, a Mula e o Fio que levam a vida como num passeio, bagunçam nas ondas. O Órfão entre brincadeiras já cansados, vão atrás do Fio que vai ao ponto mais alto da praia e olham o mar. O dia vai indo embora, vem surgindo a lua gigante, iluminando o Órfão já a tempos sem usar as palavras, aprende a ficar quieto, observa, sentir as coisas da natureza bem viva nos seus amigos.

No decorrer da viagem, uma encruzilhada uma cumbuca com comida e uma vela, o Fio querendo comer o Órfão fala: - O que será isso?  E sai uma Menina de Cachinhos Negros e diz: - É para mim! Estou fugindo! E assim boas almas ser, meu povo tem costume de colocar essa comida para quem esta fugindo. Meu povo é do bem, sofrido, sente na pele o preço de simplesmente existir, assim como os povos nativos, os índios. Diz o Órfão: - Eu entendo o que é fugir, o que é ter culpa simplesmente por nascer. Então a Menina de Cachinhos Negros diz: -  Para onde você vai?  Ele responde: - Estou indo com eles, meus amigos! Quer ir junto? Ela com um sorriso apaga a vela, pega a comida, divide com ele e assim vão os quatro soltos ao Sul.

 A Cachos Dourados que não para de olhar para trás. Seu pai só no pensamento que a Mula e o Fio voltem, pois nada é difícil para ambos achar o caminho de casa. Na certeza que animal bem tratado, te tem como um deles para sempre. Vai acalmando a Cachos Dourados .
A Mula agora com duas crianças ao seu lombo segue a viagem.  Os dois encantados com a mudança de clima e vegetação, quanto mais ao Sul chegavam mais pessoas, casas civilizações. Nesse momento a Mula e o Fio já se sentiam em casa, o frio chegando.

O Senhor da fazenda dá uma parada na fazenda de um Amigo, já no Paraná e isso faz com que o Fio e a Mula diminuam a distância. Passam os dias, a Cachos Dourados já nem olha mais para trás, triste com a primeira grande perda da vida. Seus amigos. De repente ouve aquele latido rouco, ela olha e corre na direção o Senhor da Fazenda e sua esposa de lágrimas nos olhos. A Tropa num todo festeja a alegria da pequena e do Fio e já aparece a Mula montada por duas crianças. O Senhor da fazenda olha as crianças tão distintas de tão longe de aparência as acolhe na fazenda.
Suas histórias são ouvidas, a mensagem é entendida, seu coração o manda da um rumo em suas vidas e assim é feito. Aquele homem egoísta já não existe. Entende que com que se tem a mais é compartilhar com quem precisa e assim foi. Escola, catecismo, ensinamentos de vida e os tratava igual sua filha Cachos Dourados e a gratidão daquelas crianças nem tão pequenas assim veio no entender o ensinamento e praticar o bem.

A Menina de Cachinhos Negros já mulher linda demais por dentro e por fora, entende a mensagem em sua vida, que ensinar é o que faz valer saber e esse dom qual o Senhor da Fazenda nem tinha em seu egoísmo agora no altruísmo, encaminha essa alma qual ele não trouxe ao mundo com a mesma vontade que sua Filha e assim ela se torna professora e o Órfão já na intimidade de ser homem, ter uma conversa com o Senhor da Fazenda onde aprendeu que ser homem é aquilo mesmo que seu Pai enquanto vivo dizia e para lá decide voltar ao seu nordeste, com os ensinamentos que teve na sua caminhada pela vida, pelo Sul.

Já adultos à mesa em um Jantar, a gratidão desses dois irmãos do mundão anunciam que estão de partida, que vão aplicar as lições de Deus no caminho da vida e que educar é onde se muda tudo e que educar é expressar o amar a qualquer alma que nessa terra habite sem diferença de cor ou crença, é um dom de natureza pura que faz bem a vida, evolui a mente, a alma a entender, ver o próximo. Há ensinamentos para fora do portão de casa, que prepara para vida na forma sagrada de amar a si, a vida.
O Fio do nada como se entendesse cada palavra, vem com dois de seus pequenos Filhotes e coloca uma no colo da cada um. Fica em pé os lambe abraça. A Mula na Janela baixa a orelha como se tivesse brava com a ideia de eles irem embora, mas amor de Mula é assim mesmo primeiro o carinho, depois a briga para um novo carinho e nessa teimosia a Mula entende o seu irmão Fio que sabe que ninguém merece ficar só nessa vida e oferece seus filhos a lhes acompanharem paro resto de seus dias.

A Mulher de cabelão lindo para cima pra baixo gigante, encontra o amor em um sulista e vão morar em uma região em Minas Gerais,  com mais condição a criação, apaixonado pelo gado pelo leite, nessa tropa também vai as videiras e outros frutos.

O Órfão um nordestino na essência, nunca deixou de ser um guerreiro um cangaceiro, Menino faceiro, homem direito que anda pelo certo, entre erros e acertos é o mesmo  e para sua casa volta com sua Irmã do mundo em Minas Gerais vai a Bahia no seu interior distinto a sua beira mar viver o resto de seus dias como Professor. Fez sua obra para tornar sua terra um lugar melhor e ficou ao Lado do Padre, uma obra altruísta em vida irmão do Senhor da Fazenda que o ensinou o quem nem ele no seu tempo de egoísmo fazia, mas que agora fez sua obra em sua vida, dando destino se tornando melhor, antes do fim de sua vida, antes que nada mais possa se dito, antes que se torne apenas preço o fim da vida..

 -Por Rodrigo 'cC'-
22/03/2019