Amor de Mula
1898 Sul do Brasil Paraná. Uma égua baia ao andar se depara
com uma cadela fila brasileira morta com seus filhotes, pela temida onça. Ouve
um resmungo: - Olha um filhote!! Então o pega com os dentes com maior cuidado,
da uma cheirada, umas lambidas e volta ao seu abrigo, lugar seco coberto de
palha sobre chão e ele resmungando, não mamava à horas, mas na bondade natural
de mãe que sabia que naquela noite iria parir e assim foi. Nasce a Mula
enquanto a pequena Mula se vira no equilíbrio na urgência natural da
sobrevivência para sua própria defesa mesmo ali não necessária, mas esta
gravada no gene da espécie e no mais belo instinto. a Égua guia o pequeno Fila até sua teta, qual
foi chamado na fazenda de “Fio de uma Égua” e assim seguiram o chamando de
“Fio”.
O tempo foi passando, o Fio e a Mula eram inseparáveis o
único apego da Mula e do Fio era a pequena “Cachos Dourados” filha do Senhor da
fazenda, a qual havia recebido uma carta de seu irmão Padre contando da fome e
da miséria e de como eram as coisas no Nordeste. Ele estava pensativo, comovido
sai varanda da fazenda olha a fartura lembra-se de como seu irmão desde pequeno
era sem apego e altruísta, pensa em sua vida egoísta sabe da humildade, das
conversas de varandas do sul, das conversas evolutivas na criação de gado, no
plantio, a fartura que é o Sul. Já há dias sem dormir, voltando ao passado, na
infância nas lembranças de seu irmão que poderia ser tão poderoso quanto ele,
mas não quis o desapego do dinheiro e sim lutar contra seu efeito. Desde
pequeno na fazenda dava atenção aos negros os quais nunca permitiu serem
escravos, entendia suas tradições, jogava capoeira como se fosse um deles. A
vida o guiou a uma vida ao próximo e o Senhor da fazenda um em prol de si
mesmo.
Já cansado do tempo, sua senhora uma verdadeira prenda,
conversam e decidem junto irem ao nordeste visitar seu Irmão e levar uma tropa
de mulas carregadas de mantimentos, uma pequena boiada, sementes e uma muda de
pessegueiro. Seguem em Viagem, descartando a Mula e o Fio.
Tudo pronto saíram em viagem, mas a teimosa Mula e o Fio
foram atrás. Quando se deram conta lá estavam os dois, a Cachos Dourados solta
seu sorriso de princesa e sai correndo em direção a eles. A Mula reage abaixa-se, a pequena sobe em seu
lombo e seguem viagem. O Fio com seu grosso latido, babava tudo na Cachos
Dourados e assim a viajem a ela se tornou mais alegre.
Foi passando os dias às brincadeiras em rios à beira mar, o
andar livre à volta da tropa e da boiada e em horas quando ela cansada ia às
carroças.
Passaram-se semanas ela ao lombo da Mula e o Fio conhecendo
as cidades, estados nas paradas para que o gado e as mulas se alimentassem,
também para alimentar os pintinhos,
viveiros nas carroças que levavam os porquinhos.
O senhor da fazenda e sua prenda gostavam de namorar,
visitar lugares, era como se pela primeira vez o senhor da fazenda
esquecesse-se de si próprio e assim na ideia de quem planta, colhe, seus dias
ficaram mais felizes, menos cansativos e fáceis de resolver. Havia conquistado
o bem maior, a paz.
Passaram-se meses e chegam ao extremo norte da Bahia, tristeza
em vida, um povoado muito simples paisagem quase árida na sua totalidade,
prenuncio ao cangaço já era dito no Nordeste dessa cultura vagante na caatinga.
Sua vestimenta de couro, seu chapéu amenizando o sol do rosto. Encontra seu Irmão que surpreso com a chegada
do senhor da fazenda, sendo altruísta, mostrando a sua filha o que não via na
ideia de tornar a Cachos Dourados a mais linda, sábia e bondosa Prenda do Sul.
Os dias foram
passando, Cachos Dourados comparando o Sul, farto nas diversidades de clima, fauna
e flora com o lugar onde estavam árvores pequenas e raras de pouca vida, quase
não havia água.
Não muito distante, um povo no seu inicio, com vestimentas
em couro uma honra e fé em si mesmos, um olhar para vida não aceito, mas em
meio a tanta fome, falta d’água e direitos, faz o que parece não ser certo, ser
gigante, ser luta constante, ser aceito sem medo, sem culpa de lutar pela vida,
pelo que se acha justo. Acontece um confronto sangrento e um menino em meio a
isso sai vivo. Órfão andando só pelo mundo seco, com sede, fome, incertezas de
onde está, de quem é, para que veio ao mundo, injusto ao seus olhos que nem
sabe que o mundo é diferente do que seus olhos e dias o contam em meio as mulas
e a boiada Já cercada, A teimosa Mula foge, um rapaz percebe e a rouba.
Ao acordar seu irmão, o Fio e o Fila Brasileiro em meio às
babas de suas bochechas, o olhar caído, preguiçoso, atenta-se para sua irmã e
assim seguem há horas atrás do ladrão e não será difícil recordar, aquele se esconder,
aquele pega-pega da infância com sua irmã, sem dizer do cheiro do rastro que o
calor amplia. Sai em seu latido rouco, sentido sem nem saber para onde.
Já há um dia andando, encontra sua irmã Mula e ao chegar
nela é percebido o Rapaz. Ela Tenta chegar perto e é agredido violentamente
pelo Fio, que estraçalha sua cocha e o deixa no chão. Abre a boca em seu
pescoço, dá uma apertada e solta olhando nos olhos do rapaz como se dissesse:-
--Tu não és nada seu fraco!!! Vai e rói
a corda da Mula, a solta e assim voltam sentido ao pequeno vilarejo. No meio do
caminho um poço fundo em um pequeno córrego, eles encontram o pequeno Órfão se
afogando, mais que rápido a Mula pula na água e salva o Órfão e assim inicia-se
uma amizade.
O Órfão já não está sozinho no mundo, irá viver uma dessas
obras de Deus que não se entende. As linhas tortas que sempre é guia ao sentido
de tudo isso e em meio ao nada uma família, um alguém em quem confiar é tudo e
sem se quer uma palavra dita, apenas lealdade e o amor, precisando somente de
atitude. Assim foi a do Fio que puxava o Órfão pela mão como se dissesse:--- Vem!!!
E a Mula se deitou e Órfão a montou e assim foram os três.
Voltaram. Foi um dia de caminhada e o Senhor da Fazenda de
missão cumprida havia voltado ao Sul. Cachos Dourados era a preocupação da Mula
e do Fio. O Órfão nem fazia ideia do que se passava. O Padre chegou no Fio e na
Mula, conversa com o Órfão, pergunta o que aconteceu, se ele está bem, se
precisa de ajuda, mas ele confiava apenas em seu silencio e em seus novos amigos.
O Fio sai no rastro das carroças da Tropa e assim seguem viagem.
O Órfão sem rumo na vida segue no lombo da Mula e a estrada é seu rumo, seus
dias. A Mula se virava, o Fio caçava para ele e para o Órfão que conhecia as
frutas e plantas e assim contribuía. Foram os dias, o mundo aos olhos do Órfão
muda, sem ter quem respondesse de palavras, apenas nos olhos. A Mula e o Fio
encantavam-se juntos na aventura que era estarem largados no mundo, na estrada há meses do Sul, noites, dias que
traziam aos olhos do Órfão a mudança de vegetação, o verde começa a predominar,
depois vem as grandes árvores, a água, até a chegada do mar. Ele nem podia
acreditar no que via, a Mula e o Fio que levam a vida como num passeio, bagunçam
nas ondas. O Órfão entre brincadeiras já cansados, vão atrás do Fio que vai ao
ponto mais alto da praia e olham o mar. O dia vai indo embora, vem surgindo a
lua gigante, iluminando o Órfão já a tempos sem usar as palavras, aprende a
ficar quieto, observa, sentir as coisas da natureza bem viva nos seus amigos.
No decorrer da viagem, uma encruzilhada uma cumbuca com
comida e uma vela, o Fio querendo comer o Órfão fala: - O que será isso? E sai uma Menina de Cachinhos Negros e diz: -
É para mim! Estou fugindo! E assim boas almas ser, meu povo tem costume de
colocar essa comida para quem esta fugindo. Meu povo é do bem, sofrido, sente
na pele o preço de simplesmente existir, assim como os povos nativos, os índios.
Diz o Órfão: - Eu entendo o que é fugir, o que é ter culpa simplesmente por
nascer. Então a Menina de Cachinhos Negros diz: - Para onde você vai? Ele responde: - Estou indo com eles, meus
amigos! Quer ir junto? Ela com um sorriso apaga a vela, pega a comida, divide
com ele e assim vão os quatro soltos ao Sul.
A Cachos Dourados que
não para de olhar para trás. Seu pai só no pensamento que a Mula e o Fio voltem,
pois nada é difícil para ambos achar o caminho de casa. Na certeza que animal
bem tratado, te tem como um deles para sempre. Vai acalmando a Cachos Dourados .
A Mula agora com duas crianças ao seu lombo segue a viagem. Os dois encantados com a mudança de clima e vegetação,
quanto mais ao Sul chegavam mais pessoas, casas civilizações. Nesse momento a
Mula e o Fio já se sentiam em casa, o frio chegando.
O Senhor da fazenda dá uma parada na fazenda de um Amigo, já
no Paraná e isso faz com que o Fio e a Mula diminuam a distância. Passam os
dias, a Cachos Dourados já nem olha mais para trás, triste com a primeira
grande perda da vida. Seus amigos. De repente ouve aquele latido rouco, ela
olha e corre na direção o Senhor da Fazenda e sua esposa de lágrimas nos olhos.
A Tropa num todo festeja a alegria da pequena e do Fio e já aparece a Mula
montada por duas crianças. O Senhor da fazenda olha as crianças tão distintas
de tão longe de aparência as acolhe na fazenda.
Suas histórias são ouvidas, a mensagem é entendida, seu
coração o manda da um rumo em suas vidas e assim é feito. Aquele homem egoísta já
não existe. Entende que com que se tem a mais é compartilhar com quem precisa e
assim foi. Escola, catecismo, ensinamentos de vida e os tratava igual sua filha
Cachos Dourados e a gratidão daquelas crianças nem tão pequenas assim veio no
entender o ensinamento e praticar o bem.
A Menina de Cachinhos Negros já mulher linda demais por
dentro e por fora, entende a mensagem em sua vida, que ensinar é o que faz
valer saber e esse dom qual o Senhor da Fazenda nem tinha em seu egoísmo agora
no altruísmo, encaminha essa alma qual ele não trouxe ao mundo com a mesma
vontade que sua Filha e assim ela se torna professora e o Órfão já na
intimidade de ser homem, ter uma conversa com o Senhor da Fazenda onde aprendeu
que ser homem é aquilo mesmo que seu Pai enquanto vivo dizia e para lá decide
voltar ao seu nordeste, com os ensinamentos que teve na sua caminhada pela vida,
pelo Sul.
Já adultos à mesa em um Jantar, a gratidão desses dois
irmãos do mundão anunciam que estão de partida, que vão aplicar as lições de
Deus no caminho da vida e que educar é onde se muda tudo e que educar é
expressar o amar a qualquer alma que nessa terra habite sem diferença de cor ou
crença, é um dom de natureza pura que faz bem a vida, evolui a mente, a alma a
entender, ver o próximo. Há ensinamentos para fora do portão de casa, que
prepara para vida na forma sagrada de amar a si, a vida.
O Fio do nada como se entendesse cada palavra, vem com dois
de seus pequenos Filhotes e coloca uma no colo da cada um. Fica em pé os lambe
abraça. A Mula na Janela baixa a orelha como se tivesse brava com a ideia de
eles irem embora, mas amor de Mula é assim mesmo primeiro o carinho, depois a
briga para um novo carinho e nessa teimosia a Mula entende o seu irmão Fio que
sabe que ninguém merece ficar só nessa vida e oferece seus filhos a lhes
acompanharem paro resto de seus dias.
A Mulher de cabelão lindo para cima pra baixo gigante,
encontra o amor em um sulista e vão morar em uma região em Minas Gerais, com mais condição a criação, apaixonado pelo
gado pelo leite, nessa tropa também vai as videiras e outros frutos.
O Órfão um nordestino na essência, nunca deixou de ser um
guerreiro um cangaceiro, Menino faceiro, homem direito que anda pelo certo,
entre erros e acertos é o mesmo e para
sua casa volta com sua Irmã do mundo em Minas Gerais vai a Bahia no seu
interior distinto a sua beira mar viver o resto de seus dias como Professor. Fez
sua obra para tornar sua terra um lugar melhor e ficou ao Lado do Padre, uma
obra altruísta em vida irmão do Senhor da Fazenda que o ensinou o quem nem ele
no seu tempo de egoísmo fazia, mas que agora fez sua obra em sua vida, dando
destino se tornando melhor, antes do fim de sua vida, antes que nada mais possa
se dito, antes que se torne apenas preço o fim da vida..
-Por Rodrigo 'cC'-
22/03/2019